Estou cansado!
Se você ainda não conhece esse texto leia-o! Vale a pena "perder" um pouco de tempo. É simplismente excelente!
Cansei!
Entendo que o mundo evangélico não admite que um pastor confesse o seu
cansaço. Conheço as várias passagens da Bíblia que prometem restaurar os
trôpegos. Compreendo que o profeta Isaías ensina que Deus restaura as
forças do que não tem nenhum vigor. Também estou informado de que Jesus
dá alívio para os cansados. Por isso, já me preparo para as censuras dos
que se escandalizarem com a minha confissão e me considerarem um
derrotista. Contudo, não consigo dissimular: eu me acho exausto.
Não,
não me afadiguei com Deus ou com minha vocação. Continuo entusiasmado
pelo que faço; amo o meu Deus, bem como minha família e amigos.
Permaneço esperançoso. Minha fadiga nasce de outras fontes.
Canso
com o discurso repetitivo e absurdo dos que mercadejam a Palavra de
Deus. Já não agüento mais que se usem versículos tirados do Antigo
Testamento e que se aplicavam a Israel para vender ilusões aos que lotam
as igrejas em busca de alívio. Essa possibilidade mágica de reverter
uma realidade cruel me deixa arrasado porque sei que é uma propaganda
enganosa. Cansei com os programas de rádio em que os pastores não
anunciam mais os conteúdos do evangelho; gastam o tempo alardeando as
virtudes de suas próprias instituições. Causa tédio tomar conhecimento
das infinitas campanhas e correntes de oração; todas visando
exclusivamente encher os seus templos. Considero os amuletos evangélicos
horríveis. Cansei de ter de explicar que há uma diferença brutal entre a
fé bíblica e as crendices supersticiosas.
Canso
com a leitura simplista que algumas correntes evangélicas fazem da
realidade. Sinto-me triste quando percebo que a injustiça social é vista
como uma conspiração satânica, e não como fruto de uma construção
social perversa. Não consideram os séculos de preconceitos nem que
existe uma economia perversa privilegiando as elites há séculos. Não
agüento mais cultos de amarrar demônios ou de desfazer as maldições que
pairam sobre o Brasil e o mundo.
Canso
com a repetição enfadonha das teologias sem criatividade nem riqueza
poética. Sinto pena dos teólogos que se contentam em reproduzir o que
outros escreveram há séculos. Presos às molduras de suas escolas
teológicas, não conseguem admitir que haja outros ângulos de leitura das
Escrituras. Convivem com uma teologia pronta. Não enxergam sua pobreza
porque acreditam que basta aprofundarem um conhecimento “científico” da
Bíblia e desvendarão os mistérios de Deus. A aridez fundamentalista
exaure as minhas forças.
Canso com os
estereótipos pentecostais. Como é doloroso observá-los: sem uma
visitação nova do Espírito Santo, buscam criar ambientes espirituais com
gritos e manifestações emocionais. Não há nada mais desolador que um
culto pentecostal com uma coreografia preservada, mas sem vitalidade
espiritual. Cansei, inclusive, de ouvir piadas contadas pelos próprios
pentecostais sobre os dons espirituais.
Cansei
de ouvir relatos sobre evangelistas estrangeiros que vêm ao Brasil para
soprar sobre as multidões. Fico abatido com eles porque sei que
provocam que as pessoas “caiam sob o poder de Deus” para tirar
fotografias ou gravar os acontecimentos e depois levantar fortunas em
seus países de origem.
Canso com as
perguntas que me fazem sobre a conduta cristã e o legalismo. Recebo
todos os dias várias mensagens eletrônicas de gente me perguntando se
pode beber vinho, usar “piercing”, fazer tatuagem, se tratar com
acupuntura etc., etc. A lista é enorme e parece inexaurível. Canso com
essa mentalidade pequena, que não sai das questiúnculas, que não concebe
um exercício religioso mais nobre; que não pensa em grandes temas.
Canso com gente que precisa de cabrestos, que não sabe ser livre e não
consegue caminhar com princípios. Acho intolerável conviver com aqueles
que se acomodam com uma existência sob o domínio da lei e não do amor.
Canso
com os livros evangélicos traduzidos para o português. Não tanto pelas
traduções mal feitas, tampouco pelos exemplos tirados do golfe ou do
basebol, que nada têm a ver com a nossa realidade. Canso com os pacotes
prontos e com o pragmatismo. Já não agüento mais livros com dez leis ou
vinte e um passos para qualquer coisa. Não consigo entender como uma
igreja tão vibrante como a brasileira precisa copiar os exemplos lá do
norte, onde a abundância é tanta que os profetas denunciam o pecado da
complacência entre os crentes. Cansei de ter de opinar se concordo ou
não com um novo modelo de crescimento de igreja copiado e que vem sendo
adotado no Brasil.
Canso com a falta
de beleza artística dos evangélicos. Há pouco compareci a um show de
música evangélica só para sair arrasado. A musicalidade era medíocre, a
poesia sofrível e, pior, percebia-se o interesse comercial por trás do
evento. Quão diferente do dia em que me sentei na Sala São Paulo para
ouvir a música que Johann Sebastian Bach (1685-1750) compôs sobre os
últimos capítulos do Evangelho de São João. Sob a batuta do maestro,
subimos o Gólgota. A sala se encheu de um encanto mágico já nos
primeiros acordes; fechei os olhos e me senti em um templo. O maestro
era um sacerdote e nós, a platéia, uma assembléia de adoradores. Não
consegui conter minhas lágrimas nos movimentos dos violinos, dos oboés e
das trompas. Aquela beleza não era deste mundo. Envoltos em mistério,
transcendíamos a mecânica da vida e nos transportávamos para onde Deus
habita. Minhas lágrimas naquele momento também vinham com pesar pelo
distanciamento estético da atual cultura evangélica, contente com tão
pouca beleza.
Canso de explicar que
nem todos os pastores são gananciosos e que as igrejas não existem para
enriquecer sua liderança. Cansei de ter de dar satisfações todas as
vezes que faço qualquer negócio em nome da igreja. Tenho de provar que
nossa igreja não tem título protestado em cartório, que não é rica, e
que vivemos com um orçamento apertado. Não há nada mais desgastante do
que ser obrigado a explanar para parentes ou amigos não evangélicos que
aquele último escândalo do jornal não representa a grande maioria dos
pastores que vivem dignamente.
Canso
com as vaidades religiosas. É fatigante observar os líderes que adoram
cargos, posições e títulos. Desdenho os conchavos políticos que
possibilitam eleições para os altos escalões denominacionais. Cansei com
as vaidades acadêmicas e com os mestrados e doutorados que apenas
enriquecem os currículos e geram uma soberba tola. Não suporto ouvir que
mais um se auto-intitulou apóstolo.
Sei
que estou cansado, entretanto, não permitirei que o meu cansaço me
torne um cínico. Decidi lutar para não atrofiar o meu coração.
Por
isso, opto por não participar de uma máquina religiosa que fabrica
ícones. Não brigarei pelos primeiros lugares nas festas solenes
patrocinadas por gente importante. Jamais oferecerei meu nome para
compor a lista dos preletores de qualquer conferência. Abro mão de
querer adornar meu nome com títulos de qualquer espécie. Não desejo
ganhar aplausos de auditórios famosos.
Buscarei
o convívio dos pequenos grupos, priorizarei fazer minhas refeições com
os amigos mais queridos. Meu refúgio será ao lado de pessoas simples,
pois quero aprender a valorizar os momentos despretensiosos da vida.
Lerei mais poesia para entender a alma humana, mais romances para
continuar sonhando e muita boa música para tornar a vida mais bonita.
Desejo meditar outras vezes diante do pôr-do-sol para, em silêncio,
agradecer a Deus por sua fidelidade. Quero voltar a orar no secreto do
meu quarto e a ler as Escrituras como uma carta de amor de meu Pai.
Pode
ser que outros estejam tão cansados quanto eu. Se é o seu caso,
convido-o então a mudar a sua agenda; romper com as estruturas
religiosas que sugam suas energias; voltar ao primeiro amor. Jesus
afirmou que não adianta ganhar o mundo inteiro e perder a alma. Ainda há
tempo de salvar a nossa.
Soli Deo Gloria.
Ricardo Gondim
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